sábado, 22 de outubro de 2011

QUEM TEM MEDO DO PROIBIDÃO?



Sexta-feira, 14 de outubro de 2011.

Estou voltando da faculdade. Passa das três da tarde. Estou nas proximidades do Colégio Liceu do Ceará. Ouço o som alto de um carro. É um daqueles completos imbecis sem nenhuma educação que querem compensar sua limitação mental e sua frustração por não aceitar a si mesmo e suas fantasias homoeróticas e precisam chamar atenção de qualquer jeito para sublimar o conflito interno. Um homem adulto. O som vai se tornando ensurdecedor à medida que se aproxima. Quando finalmente consigo entender o que a silvícola está dizendo na letra, é com isto que me deparo:

“Comece a me chupar/Metendo pra lá e pra cá, cá, cá, cá, cá...”

Ou algo assim.

Quarta-feira, 19 de outubro de 2011.

Estou em uma dessas topics metropolitanas indo para o meu campo de estágio em Caucaia. Sete da manhã. A topic não está lotada, mas há muita gente indo para o trabalho. Um idoso de cabelo lambido e rosto sereno na poltrona próxima à porta, uma mulher grávida, uma senhora de meia idade com a maior cara de professora...E um rapaz de mais ou menos dezesseis anos acompanhado de um colega um pouco mais velho, ambos com farda de um colégio que não pude identificar. Um dos rapazes estava com um celular pendurado no pescoço ouvindo uma música em volume além do bom senso. Muita batida, cornetinhas repetitivas e uma voz feminina começa um verso fragmentado:

“Hoje eu to cheia de tesão/Eu quero te excitar/Minha calcinha tá no cu/Raspei a xereca pra você chupar/ chupar, chupar, vem aqui me chupar”

Ou algo assim

Sábado, 21 de outubro de 2011.

Oito vinte da noite. Caminho com minha esposa pela rua onde moro. Estamos saindo à procura de uma casa a fim de nos mudarmos, pois não temos um raio edestuidor e nossos vizinhos não são do tipo: “Podemos nos divertir, mas vamos tentar não incomodar as pessoas que gostariam de descansar de uma semana árdua acordando cedo e dormindo tarde”.

Em nossa direção vemos um grupo de garotas. A mais velha deve ter no máximo catorze anos. Percebemos logo que uma ou mais delas estavam compartilhando do mesmo hábito do rapaz citado acima, carregando um celular. Já imagino o que vou ouvir em instantes e o que ouço é isso:

“Que piroca boa/Bota até o ovo-ovo/Bota até o ovo”

Ou algo assim.

Sou completamente contra a censura, de qualquer tipo. Apesar do meu tremendo mal estar com o que tenho testemunhado em situações como essas que eu narrei, pois são somente episódios mais recentes de um fenômeno que vem acontecendo há MUITO tempo (e só falei daqueles ligados ao gosto musical, a coisa não se restringe apenas a esse aspecto...), não condeno essas pessoas por seus gostos e atitudes.

Afinal, quem sou eu? Eu sou um professor, estudante universitário, homem casado que trabalha e sofre como todo mundo, mas que tem seus momentos de olhar revista de mulher pelada, ver uns filmes muito escrotos, com sexo, violência e terror e coisas do tipo. O que me coloca exatamente e meu lugar, aquele em que não tenho o direito de dizer pra ninguém o que é certo ou errado.

No entanto, ficaria muito, mas muito, mas muito, mas muito feliz mesmo se alguém, além da minha esposa, me dissesse que não gosta nada disso que está acontecendo com as pessoas hoje em dia, isso que as motiva a desprezar a ideia de bom senso (pelo menos a ideia que eu tinha de bom senso, que pode não ser a verdadeira, mas que existia antes e está se desintegrando rapidamente). Porque estou vendo tudo como um daqueles filmes de terror antigos como “Vampiros de Almas”, em que um mal escandaloso vai tomando conta das pessoas e fingimos que tudo é normal até o momento em que não podemos controlar toda o tsunami de merda que está em vias de nos afogar.

E sabe o que mais? Apesar de tudo, o funk não tem nada a ver com isso.


P.S.: Acabei de achar o artigo de uma pessoa muito mais esclarecida que eu escreveu a revista AFRICAS tratando o assunto de uma maneira menos aterrorizada. Acho que vale a pena ler. Clique aqui.

sexta-feira, 17 de junho de 2011

DIÁRIO DE FÉRIAS(DIA 08)- OS LIVROS QUE NOS MORDEM, QUE NOS ACORDAM

Finalmente derrotei o último chefão. O monstro maior. Passei na final de Idoso e garanti minhas disciplinas do sétimo semestre. Missão cumprida, mas essa foi por pouco e também uma grande lição.

No mesmo dia da prova, terça-feira, pra comemorar, fui assistir à exibição de “Esta Noite Encarnarei no teu Cadáver”, clássico do Zé do Caixão, que aconteceu no Sesc. Assistir mais de dois terços do filme sozinho na sala de vídeo escuríssima. Lembrei de quando fui assistir “Madrugada dos Mortos”. Na quarta aluguei uns dvd´s e ontem fui à terceira sessão da mostra do Romero no Vila das Artes. “Despertar dos Mortos”, que gostei mais de ver desta vez do que na primeira. Talvez por ter percebido a grande evolução técnica do Romero desde “Exército do Extermínio”.

Escolhi como meu primeiro livro de férias “O Fio da Navalha” de Somerset Maughan. A Sue já havia me emprestado, mas na época, apesar de ter lido uma parte, não estava com espírito pra pensar nas muitas questões que o livro propõe, como os valores da sociedade, o que é mais importante se dinheiro e relações sociais ou o crescimento espiritual, a busca pelo conhecimento, por relações verdadeiras com pessoas de verdade.. Hoje estou.

Edição que eu achei no sebo...

O livro praticamente caiu do céu em minhas mãos. Há algumas semanas essas questões estavam muito vivas em minha mente, e isto estava me enfraquecendo, pois além da Dra Kenobi não havia mais ninguém com quem eu pudesse conversar a respeito. E eu havia determinado que não compraria mais livro algum antes deter lido os que estão na minha estante há meses sem que eu tivesse tempo para eles. Mas um dia eu caminhava pelo Centro e deu a maior vontade de visitar os sebos que eu mais gosto. No que fica na Rua Pedro I, logo na entrada, vi “O Fio da Navalha” e me lembrei de que havia gostado do pouco que lera. Quando abri o livro, vi a frase: “Difícil como caminhar sobre o fio de uma afiada navalha, diz o sábio, este é o caminho da salvação”. E estava creditada a um indiano cujo nome infelizmente não me recordo e ainda não pude lembrar-me de pesquisar a respeito. Rendi-me imediatamente e senti que precisava finalmente lê-lo. Como não agüento pegar um livro só quando vou a sebos, comprei também um exemplar de “As Meninas” da Lígia Fagundes Telles e um de “Clarissa”, de Erico Veríssimo, que há tempos não leio. Mas isso foi antes das férias. Esta semana, com um pouco mais de tempo livre pude começar o Maughan e estou gostando muito. Levo=o para todo lugar que vou e leio em todas as ocasiões, pois cada palavra daquele livro fala direto ao meu coração.

Quando encontro um livro ou um autor que me conquistam dessa forma, lembro sempre de Kafka, ao afirmar que só devemos ler livros que nos piquem e mordam, que pulem da estante direto para nossas mãos e que nos acordem como um forte tapa no rosto.

segunda-feira, 13 de junho de 2011

DIÁRIO DE FÉRIAS (DIA 04)- TÉDIO, QUADRINHOS E MUITO ESTUDO...

Domingo. Nany passou o dia no curso e eu sem a mínima vontade de arrumar a casa. Vim aqui na casa da mãe depois da Missa que toquei com a Renata, o Daniel e o Nicks. Olhei uma porção de bobagens na net e trabalhei um pouco na IDEIA. Depois do almoço voltei pra casa e li a revista VERTIGO que comprei na quinta. Gostei muito da série Vampiro Americano desenvolvida pelo Scott Snyder (por que todo Snyder se garante, hein?) e pelo desenhista brasileiro Rafael Albuquerque. Mas a vedete da revista, na minha opinião, é Hellblazer, não tem pra onde correr. O Constantine é o cara. Nessa história que eu li até o Monstro do Pântano dá as caras. Há quanto tempo que não leio na dele.

Constantine: pense num cabra safado


Depois de ir buscar a Nany no curso fui estudar um pouco pra Final de Idoso, que vai ser amanhã (é o tudo ou nada). Ela começou a assistir os dvd´s da Hilda Furacão que eu lhe dei de presente e fui no embalo. Emendamos tarde e noite assistindo. Depois da janta fui preparar as coisas pras aulas de hoje de manhã e findei a noite estudando mais um pouco.

Hoje fui dar as minhas aulas no colégio, paguei umas contas, estudei pra cacete, fiquei cansado de estudar, toquei violão (gravei duas musiquinhas bem bunitinhas que compus) e fui pra biblioteca estudar mais, pensar em como fui um imenso inútil em passar nas matérias mais difíceis e ficar naquela que eu acho a mais chata.

Tudo muito tedioso. E minha cabeça não tá funcionando bem por causa dessa prova. Tomara que passe logo esse pesadelo....

domingo, 12 de junho de 2011

DIÁRIO DE FÉRIAS (DIA 03)- X-MEN E MEUS VIZINHOS CHATOS OU Como eu queria ter o poder do Destrutor...

Terceiro dia de férias da facul. Mais más notícias. Na segunda não poderei trabalhar, pois preciso entregar as notas do pessoal da monitoria. Isso só reforça a decisão que eu já havia tomado.

Tive um outro rompante de raiva por causa dos meus vizinhos imbecis. Como imagino que minhas chamadas pelo facebook, Orkut e MSN não funcionam mesmo e poucos olhos lêem meus textos, me sinto na confortável liberdade de dizer que meus vizinhos são sim uma cambada de idiotas que não tem um pingo de empatia( vou logo me desculpando com todos os vizinhos chatos que não são idiotas para ninguém ficar com raiva achando que generalizei a coisa. É....hein?Deixa pra lá). Não vou falar sobre educação, pois quem chama os outros de idiota não pode cobrar educação de ninguém, mas é que é uma merda você trabalhar e estudar todos os dias, saindo de casa às vezes às cinco e meia da manhã pra chegar às nove e meia, dez da noite, cansado física, mental, espiritual, emocionalmente, tendo de elaborar e corrigir provas, fazer plano de aula e ainda ajudar minha esposa a cuidar da casa. Não estou reclamando, parece que estou, mas não estou, pois sei que de certa forma tudo isso tem um sentido, todo esse cansaço, pois faço a faculdade que eu gosto e gosto também do emprego que tenho (apesar de sempre reclamar dele) e sei que tenho frutos pra colher depois de todo esse trabalho.

Mas me sinto no direito de reclamar desses malditos retardados que só falam em futebol e que enchem a cara a semana toda, passam os dias nas calçadas monitorando a vida alheia e no final de semana que a gente tem pra acordar tarde, assistir os dvd´s guardados há tempos esperando serem vistos, ler os quadrinhos ainda no plástico por falta de tempo pra ler, assim como os livros também comprados há tempos. E você não tem silêncio mínimo pra se concentrar. Não dá nem pra ouvir seu próprio pensamento, quanto menos refletir sobre o pensamento que alguém escreveu. Meu descanso é completamente ligado à leitura. É assim que relaxo, que reflito sobre as coisas. Mas esse pessoal me tira do sério. Acho que nunca estive tão perto de cometer um assassinato quanto ontem. E eu falo muuuuito sério (droga, se alguém realmente ler isso, vai ter repercussão...). Cada um deles gosta de um ritmo diferente, e só aqueles que eu mais odeio. A vizinha do direita ouve axé nas alturas e ainda quer cantar com aquela voz incrível dela. Ela realmente tenta vencer a potência do som dela. Os da esquerda, autores da proeza que narrarei a seguir ouvem incessantemente o mesmo cd de brega do tipo cabaré por várias horas. Inclusive eles o estão ouvindo agora. Detalhe: eu não tenho computador e acesso a internet aqui da casa da minha mãe que fica na outra rua. Posso ouvi-los agorinha mesmo de onde estou, claramente. Quando não, meu vizinho, que sem dúvidas deve sofrer de algum distúrbio mental seríssimo que o faz ter vontade de gritar pelo time dele pelo meio da rua feito um esquizofrênico, ouve aqueles raps horríveis desse time, com direito a palavrão na letra, provocações à torcida adversária e o escambau a quatro. Foi aí que eu comecei a entender um pouco por que raio é que esss idiotas de torcida não podem se encontrar que rola fight. Paz nas arquibancadas, é? Vai sonhando...

E imagina só a situação: você precisa lavar a roupa branca da sua esposa que irá para o estágio no dia seguinte. Você não sabe lavar roupa direito e precisa de algumas horas para desenvolver esta atividade, digamos, bem inglória para leigos. Você sabe que tem um monte de coisas pra fazer naquele dia, um sábado ensolarado e promissor. Você acorda cedo e começa seu trabalho de lavadeira honorária e isso lhe custa muita dor nas costas, mas tudo bem, depois de quase três horas você conseguiu. Agora pode ir varrer a casa, passar o pano, estudar para a prova final e continuar a sua idéia de escrever seu nome na história da cultura pop no novo século.

De repente, não mais que de repente, após você ter lavado toda a bendita roupa branca, percebe um monte de fumaça vindo de dentro do seu quintal. Você acha que é um incêndio, mas sua fiação é boa, você não ligou o forno nem nada. Corre ao quintal com o coração já a sair pela boca e percebe que seus vizinhos estão dando um maravilhoso churrasco no quintal e a fumaça está vindo todinha para o seu, enfumaçando tudo, inclusive as roupinhas que você acabou de lavar.

Como não posso reclamar, pois sei que não há argumentos com gente barraqueira, daquelas que sai gritando nome feio no meio da rua e joga merda em sacos na sua porta, exerci o máximo do meu limitadíssimo autocontrole, tentando apenas me concentrar no fato de que, se eu cometesse uma enorme violência contra meus amados vizinhos minha esposa iria sofrer muito ao perceber que faltei ao nosso encontro de dia dos namorados no Benfica (X-men-First Class!) porque fora preso em flagrante.

Tentei respirar fundo, mas eu realmente tenho um problema de autocontrole, não estou brincando. Contra os vizinhos consegui não fazer nada, mas meu mecanismo de resposta emocional a situações como essas (que ultimamente têm apenas meus vizinhos como desencadeadores, graças a Dra Kenobi e muuuita meditação). Mas é muito difícil manter a calma. Não há inimigo pior do que a fúria. O Hulk que o diga...

Quando minha esposa Nany me ligou para nos encontrarmos no cinema do Benfica eu ainda estava na pilha. Fiquei bravo com ela, nem sei porque, mas fui sabendo que era o único jeito de evitar o pior. Ultimamente, mais do que em qualquer outra época de nosso relacionamento, tenho aprendido em buscar nela a fonte da minha calma e, graças a Deus, ela colabora e muito.


Destrutor: taí um poderzinho que ia ser massa...

Fomos ver o X-men- Primeira Classe que é extremamente fodástico. Não é a melhor adaptação de quadrinhos que eu vi, mas é uma dos melhores filmes de ação que eu vi. E o Magneto do Fessbender rouba a cena legal. Encontramos a Débora, que é não víamos a muito tempo mesmo e isso foi massa.

Quando chegamos em casa, ainda pude sentar e trabalhar um pouco mais na IDEIA.

E assim foi meu terceiro dia de férias. Prometo que não vou matar ninguém, é sério. Pelo menos não nas férias, porque senão vou perder a única época do ano em dá pra descansar. Agora eu brinquei.



sábado, 11 de junho de 2011

DIÁRIO DE FÉRIAS (DIAS 01 E 02)-MAIS ROMERO E OS CORLEONES

A coisa tá ficando preta. Tá chegando o dia da final de Saúde do Idoso. Estudo todo dia um pouquinho por dia, mas parece que longe da minha equipe não consigo fazer muita coisa.

Na quinta, dia 09 teve o segundo dia da Mostra do George Romero. O filme foi Exército do Extermínio, de 1973. O filme conta a história de habitantes de uma pequena cidade que tenta sobreviver ao plano de contenção do exército americano a uma epidemia de loucura causada por um vírus que se espalha pela região após a queda de um avião.

Esperava encontrar o Fábio Cabelo lá, mas nem ele nem D. Carlos foi. Na verdade, além do meu irmão, vieram praticamente todas as pessoas que compareceram na semana passada.

Ontem foi um dia muito corrido. Fui à Doutora Kenobi (como chamo minha psicóloga) e no caminho mesmo o povo começou a me torrar o saco com os lances da monitoria. Sem comentários sobre minha monitoria. Sei que ninguém lê mesmo isso aqui, mas quando é pra coisa dar merda, dá mesmo.

Fui comprar o presente do Dia dos Namoridos pra minha esposa. Um Box da série Hilda Furacão. Foi osso, pois tinha muita coisa pra fazer, mas valeu a pena, porque ela , que já tinha me dado o livro 1984, do George Orwell, de presente, me fez a incrível surpresa de comprar pra mim o Box do Poderoso Chefão. Bota incrível nisso.

Daniel, Renata e eu estamos trabalhando em algo importantíssimo para o destino da humanidade e a manutenção da vida na Terra. Claro que não posso falar nada ainda sobre isso, pois não sabemos se vai dar certo. Se o mundo não se acabar em breve é porque deu.

quarta-feira, 8 de junho de 2011

DIÁRIO DE FÉRIAS (PRELÚDIO)- A NOITE DOS MORTOS-VIVOS

Achei que começaria as férias da faculdade logo e sem problemas. Mas recebi algumas notas e vi que é possível que eu fique de final em duas disciplinas. Não consigo imaginar situação mais estressante do que você estar às portas do único período do ano em que se pode realmente descansar um pouco, ler, ver filmes diferentes, fazer música, escrever e mesmo assim saber que quase toda a sua turma vai conseguir fazer isso e você não. Não chega a ser uma tragédia, mas é um pequeno desastre que tira mesmo você da base.

Eu estava planejando um diário de férias da facul (porque do trabalho eu praticamente não tiro férias mesmo), mas com essa meu ânimo e os planos esfriaram mesmo. É a primeira vez que fico de final na faculdade e devo dizer que, pela complexidade da matéria e minha mínima afinidade com o assunto, existem grandes chances de eu não conseguir passar, o que me aterroriza completamente, pois essa disciplina é pré-requisito para meu estágio supervisionado. Fico só pensando em como a coisa foi ficar assim. Muito trabalho, estágios puxados, o tempo precioso que perco parado no trânsito horrível desta merda de cidade. O que me fez ir tão mal logo no único momento em que eu não poderia mesmo falhar? Sei lá. Sempre me ensinaram a não jogar para os outros a culpa por seus erros, então é melhor procurar a falha aqui dentro e consertá-la bem rapidinho. Tenho um problema enorme em administrar o tempo por causa do violento conflito que existe entre as coisas que eu gosto de fazer e as coisas que eu preciso fazer. Não que eu deixe de estudar pra ficar vendo TV ou coisa do tipo. A verdade é que meu dia em período letivo é muito corrido e eu me canso facilmente. Tenho absoluta certeza de que minhas prioridades estão bem definidas, mas algo está muito errado não só comigo, mas como todo mundo tem levados suas vidas. É como se estivéssemos correndo e correndo buscar um conforto do qual não iremos desfrutar. Quer dizer, a gente estuda pra caralho, trabalha pra caralho pra poder, entre outras coisas, ter o direito de descansar e formar a si mesmo, crescer espiritualmente, amadurecer. Mas a maioria das pessoas tem tão puco tempo para contemplação que nunca se questiona se está realmente no mesmo caminho que escolheu pra si no início da caminhada ou se já se perdeu completamente na floresta do nosso cotidiano mecanicista.

Papo de paranóico intelectualóide já. De qualquer forma, vou ter de estudar para pelo menos uma final (o resultado de outra disciplina monstro sai amanhã). E me coloquei esta tarefa de manter um diário de “férias” pelos mesmos motivos que sempre o fiz nos meus cadernos. Para avaliar a mim mesmo e ao modo como penso a vida, mas também para entender o que representa um obstáculo para mim hoje e compará-los com os que eu terei no futuro, para saber se eu realmente cresci se os consegui transpor. A idéia original era registrar as coisas legais que planeja para as férias. Como abrir um novo blog com uma série de terror, um tumblr, fazer músicas novas e gravar no mp4 e levar à frente o grupo de pesquisa em Enfermagem com as meninas da equipe por exemplo. Mas acho que pelo menos nas próximas duas semanas terei de ficar bem quietinho estudando e tratando de não atrasar nada pro colégio para ver se consigo me livrar logo das possíveis finais e encerrar o semestre no colégio sem dever nota. Aí sim vou poder descansar. Tentarei manter a idéia do diário, mesmo sabendo que não poderei postar todos os dias.


Mas, mas apesar de minhas inúmeras obrigações, é claro que não poderei de maneira alguma perder um dia sequer da Mostra George Romero na Vila das Artes. É toda quinta-feira, às 18:30 com um filme do mestre dos zumbis e um debate. Na quinta passada tivemos o clássico absoluto do cinema de terror “A Noite dos Mortos-vivos” e foi incrível. Achei que viriam poucas pessoas, mas estava enganado. No debate percebi que tem gente que é ainda mais empolgada por filmes de terror do que eu! Amanhã teremos o filme “O Exército do Extermínio”, que é um filme do Romero que eu nuca assisti e que nem mesmo conhecia. Só fiquei sabendo de sua existência quando pensaram em fazer o remake e as notícias começaram a sair. Como é um filme difícil de se achar nas locadoras, não tem nem perigo de eu perder.

No mais, é só isso que está me dando mais um ânimo por estas férias por enquanto. Depois das más notícias nem me deu mais vontade de ir ver “X-men-Firt Class” no cinema...



quarta-feira, 25 de maio de 2011

A REVOLUÇÃO NÃO SERÁ TELVISIONADA




Acho que esse é o caso mais próximo de que me lembro em que a internet foi responsável por trazer à tona algo de realmente relevante. Não é porque sou professor, mas por estar cheio de ligar a TV no domingo e ver que a “menina arroto” é sensação, com milhares de acessos no Youtube, ou que o bebezinho que solta um pum com o som do nome da mãe é o novo fenômeno.

Mas essa realmente me impressionou. Semana passada eu estava vasculhando o blog do meu herói internético, Eudes Honorato, quando me deparei com o vídeo da professora Amanda Gurgel e o pedido do mesmo Eudes para que levassem a diante, que espalhassem o vídeo. Cara, eu não duvido nada que tenha sido por causa dele que a coisa ganhou tamanha notoriedade. Eu realmente não imaginava que isso aconteceria.

Enfim, está na boca das pessoas, foi parar no Faustão, a mulher está aqui em Fortaleza e participou de manifestação na Câmara “ninho-de-ratos” dos Deputados (será que é crime me referir à Câmara assim?), os caras fugiram com medo e os professores ainda fugiram dos manifestantes, claro, eles não podem com quem tem argumentos e usa a voz com sagacidade.



Sei tanto sobre política quanto um pedreiro sobre cirurgia torácica, embora eu reconheça a importância de se conhecer política. Só não fui, como muitos, e talvez como você que me lê agora, treinado para entendê-la e associá-la de imediato com a situação a que estamos condicionados. No entanto, não acredito que a greve seja uma forma efetiva de protesto. Acho que é um meio antiquado de chamar atenção e que é muito vulnerável a malabarismos legislativos. Além do mais, se profissionais como professores entram em greve, acredito que na mente dos políticos calhordas deve passar o pensamento de que só quem se ferra mesmo é a população, e que isso não é problema, pois eles ferram com a população todo dia mesmo. E se as crianças das escolas municipais ficam sem aula por semanas, a última coisa que o povo vai fazer é se organizar e reivindicar o direito delas à educação. Primeiro porque o povo não sabe se organizar. Segundo porque o povo está preso em um ciclo que envolve trabalho contínuo, pesado e mal remunerado atrelado ao tempo que se perde se deslocando de casa para esse trabalho dentro dos coletivos de péssima qualidade enfrentando o trânsito caótico da cidade junto com o cansaço e despreparo mental que leva à alienação alimentada por futebol, novela, Big Brother e o escambal a quatro.

No fim das contas, os professores protestam, protestam, protestam. Exigem direitos que poderiam ser concedidos facilmente, pois recursos existem para tal, mas os deputados e as outras autoridades políticas , como estão na zona de conforto assegurada pelas condições acima citadas, vão esperar até vencerem pelo cansaço os trabalhadores, já desiludidos, com uma contraproposta vergonhosa.

Não, não é novela da Globo, mas você já viu essa história se repetindo e, como nas novelas da Globo, por mais que você já saque o final no primeiro capítulo, a história se repetirá ainda muuuuuitas vezes. E no fim não veremos casamento, sorrisos e o vilão sendo preso, ridicularizado ou morto. Mas com os hábitos lúdicos da nossa prefeita, quem sabe tenha até uma festa por aí...

Acho que se os trabalhadores (ou quem quer que queira se manifestar contra algo que considera errado)quiserem mesmo ver a mudança acontecer devem pensar numa forma mais inteligente de protesto. Chocar só serve pra chamar atenção. E só. Não muda nada. Então ficar pelado, atear fogo no próprio corpo (se bem que no Egito funcionou...) essas coisas, não iriam funcionar. Tem realmente que incomodar os caras do poder, tem que tirar o sono deles. E precisa ser pacífico. Parar de trabalhar não é a solução, pois se eles realmente se importassem em fazer com que a educação ou a saúde ou a segurança funcionassem, se isso representasse algo para eles, não haveria motivo para protestos. Eles estão cagando pra gente.

Sei que parece loucura, mas a única forma de fazer com que eles passem a se preocupar com o que acontece conosco é ignorando-os completamente. Não da forma como já estamos fazendo, deixando com que eles trabalhem a favor próprio com nossos recursos, sugando do nosso trabalho. Mas desobedecendo.

Aposto que se você deve estar puto por ter lido até aqui pra terminar numa viajem minha. Mas eu sei que se você pensar um pouco sobre o significado ideal da política e o significado que ela tem hoje para as relações socioculturais vai ver que, de repente, isso pode fazer algum sentido. É só observar que uma singela professora dos confins do Rio Grande do Norte, com um pequeno, ousado e muito articulado discurso foi capaz de calar a boca de uma dúzia de manipuladores e fez muita gente parar um instantinho pra pensar. E não importa se ela é filiada a qualquer que seja o partido ou vertente ideológica. A verdade que ela disse vale pra todos, consientes ou não de sua condição. A palavra tem enorme poder transformador e um povo que pensa, que sabe usá-la, dificilmente se deixaria dominar.


sábado, 23 de abril de 2011

Eu, REM e Meu Nonsense ou O QUE EU ESTAVA FAZENDO QUANDO...

“Seus pés irão fincar-se no chão/ Sua cabeça está aí para te mover ao redor.” Stand-faixa quatro Lado “Ar”(A).


 Ás vezes fico me perguntando onde eu estava e o que fazia quando coisas legais estavam acontecendo. Cá com minhas loucuras, penso que seria incrível se pudéssemos estar presente em vários lugares ao mesmo tempo, vivendo uma série de experiências diferentes com inúmeras pessoas diferentes, realizando uma gama enorme de tarefas sem comprometer outras, vivendo a mil por hora em um canto, descansando e filosofando em outro.

“Os sonhos/eles complicam minha vida”. Stand Up- faixa dois Lado “Ar”(A).


Uma das horas em que mais me encontro com essas divagações nonsense é aquela bendita hora em que chego da faculdade à noite. Minha esposa tem de ir para seu curso e resta a mim a tarefa de lavar os pratos. Ponho meus fones e prefiro pensar que lavo os pratos enquanto ouço música, em vez do contrário. Mecanismo de defesa contra tarefas mecânicas.

Ultimamente tenho ouvido exaustivamente o álbum Green, do REM. É um álbum incrível de 1988. Tudo o que há de melhor no REM está lá. Primeiro álbum por uma grande gravadora, a Warner. Sexto da banda que sairia do subsolo do rock com o disco seguinte, o Going Out, aquele que tem Losing My Religion. Onde eu estava em novembro de 1988 quando REM lançava o Green?


“Tudo o que você ouve é que o tempo continua a viajar/E sente tamanha e absoluta paz.”You Are The Everithing- faixa três Lado “Ar”(A)


(Imagine que está ouvindo aquele barulhinho tosco tipo “túnel do tempo”)


OH! Lá estou eu! Na lembrança mais clara que eu tenho daquele ano! Eu morava na casa da minha avó e tinha cinco anos. São mais ou menos três da tarde, acabei de acordar e não há ninguém em casa. Levanto do sofá onde dormia e vejo que há um pacote de biscoitos de chocolate para mim em cima da mesa. Apanho os biscoitos, ando pela casa. Sei que estou sozinho, mas tudo bem até aí, pois eu ainda não chegara na fase em que tinha medo de andar pela casa mesmo de dia por descobrir que os moradores antigos viam fantasmas (longa história...em outro post eu conto).

Minha avó nunca me deixava sozinho e, quando saía sem mim, não ia muito longe. Vou à porta para ver se ela estava na calçada conversando com alguém, mas encontro a porta fechada e sem a chave. Olho pelo postigo e vejo que o sol da tarde ilumina lindamente uma rua tão vazia quanto a casa. Ninguém passa por muuuito tempo. Com minha mente de criança concluo que algo está errado, ela não está por perto e ninguém mesmo está. Tento um dos poucos recursos disponíveis, que geralmente funcionava: grito por ela. Sem resposta. O vento sopra as folhas caídas do algodoeiro de Dona Margarida. Volta e meia, algum papel de xilitos, um jornal ou as folhas da árvore voam diante dos meus olhos, mas nada de minha avó. Tempos depois, grito novamente e passo a gritar mais frequentemente e mais alto. Aí vejo claramente o meu último e mais desesperado recurso, a imagem mais marcante desse dia que se passou há tanto tempo. Pego o pacote de biscoitos, coloco entre as frestas dos postigos da porta e o deixo cair na rua, na esperança de que alguém aviste a queda do objeto vermelho e venha em meu socorro. Sem resposta. Esperança quase morta.


“Diga-me como é ir lá fora/ Nunca estive lá” The Wrong Child- faixa seis Lado “Ar”(A).


Sinto um nó na garganta e uma lágrima escorrer pelo rosto. Penso que algum evento sinistro pode ter dado fim a todos os seres vivos da Terra, exceto eu (uma abdução em massa, talvez, na época eu assistia à primeira versão de V-A Batalha Final). Meu único desejo é adquirir o poder de me transformar numa névoa e me rematerializar do lado de fora, como eu via o Noturno fazer nos quadrinhos dos X-Men (na época eu gostava mais da Marvel do que da DC), mas mesmo sendo um garotinho de cinco anos bobinho, que se tornaria um adolescente bobinho e depois o adulto espetacular que eu sou, eu sei que isso jamais acontecerá. Estou preso. É meu primeiro contato com um sentimento novo: solidão. Depois aquilo se tornaria algo surpreendentemente diferente. Em alguns anos sentiria tudo de novo mais algumas vezes na vida, mas a prisão muitas vezes não teria paredes e a solidão não precisaria de ausência.
De repente, um fio de esperança corta meu soluço. Meu coração tem um sobressalto. Ouço passos na calçada. Penso que possa ser minha avozinha voltando para me salvar do cárcere, mas logo percebo que são passos muito rápidos, diferentes dos dela. Mas tudo bem, a pessoa verá o pacote de biscoitos no chão, irá parar para apanhá-los próximo à porta e poderei pedir ajuda. A pessoa se aproxima. Para. Abaixa-se para pegar os biscoitos. Bingo. Eu sabia. Ótimo plano. “Ei, moça!”, chamo enquanto ela se levanta. Ela toma um susto. Nem espera eu explicar que estou confinado. “Ah! Neném, deixou cair foi?”. Tento começar a falar, mas ela vai logo colocando o biscoito de volta pelo postigo. O pacote cai sobre meus pés. Ela some tão rápido quando apareceu. É, acabou. Estou mesmo preso. Ninguém vai me salvar.


“ Tão só, tão só em minha vida/ Alimente meus bancos de luz”- Hairshirt- faixa nove Lado “Metal” (B).


Amargo o gosto da solidão. Sento no sofá e começo a pensar como vai ser viver sozinho num mundo sem pessoas. Preso dentro de uma casa enorme, sem comida, só com água da torneira. Nunca mais verei ninguém que eu amo. Nem minha avó, nem minha mãe, nem ninguém. Nunca mais vou assistir Jaspion, nem Changemen. Nada mais de quadrinhos. Nada mais de filmes. Meus brinquedos vão ficar antigos e não vai ter mais ninguém pra me dar outros. Acabou. Tchau. Adeus. Até nunca mais. Percebo agora que naquele momento aprendi uma coisa que sei fazer muito bem e que se tornaria, em certos momentos, uma arma, em outros, uma desvantagem: papéis dramáticos.


“Eu reconheço as armas/Eu as usava bem”. World Leader Pretend- Faixa cinco do Lado “Ar”(A).


 
Ligo a TV. Bozo.

Ele, a Flor, a Vovó Mafalda e o Papai Papudo jogam Batalha Naval. Começa o desenho da “Nossa Turma” (Get Along Gang e aquela musiquinha só massa). Aprendo mais uma coisa: se um dia alienígenas invadirem a Terra e abduzirem toda a humanidade deixando só você trancado em casa, se tiver uma TV, você vai ficar numa boa.


Acho que minha avó deve ter ficado fora mais uma meia hora depois que acordei. Ela chega, abre a porta. Corro para ela chorando. Ela explica que aproveitou que eu estava dormindo, foi comprar o pão e se deteve uns instantes conversando com Dona Maria Serafin que, a propósito, era hipocondríaca e só falava sobre doenças. Acho que ela conhecia mais doenças e suas variações sintomatológicas do que jamais pude estudar em cinco anos como professor de Biologia e três anos de faculdade de Enfermagem. Sinceramente não sei se ela ainda vive. O resto da tarde correu como todas as outras. Sem absolutamente nada para fazer a não ser assistir o Bozo, brincar com meu boneco do Homem-aranha (série Guerras Secretas, da Gulliver) e ler quadrinhos. Se eu já curtisse rock na época talvez eu tivesse alguma chance de ouvir o Green.



“Eu tive minha diversão e agora é tempo/ de servir sua consciência além-mar”.- Orange Crush- faixa sete Lado “Metal” (B).


Sabe o que é mais fantástico em toda essa história sem pé nem cabeça que você inacreditavelmente teve paciência de ler até aqui? Michael Stipe e companhia jamais souberam e nem saberão sobre a existência de um garotinho cabeçudo que tinha medo de aliens e fantasmas e gostava de Bozo. Mas quando eu ouço o Green só consigo pensar em como eu amava ser aquele carinha. E também no quanto era difícil.


segunda-feira, 28 de março de 2011

O BARBEIRO E A PROSTITUTA ou A VOZ...



Corto o cabelo com o mesmo barbeiro há uns quinze anos. Sua barbearia é um monumento às figuras de todos os tons de obscuridade e humor que existem em Fortaleza. Não obstante o desfecho deste texto, ainda é por isso que vou lá uma vez por mês. Nunca conversei muito profundamente com ele. Não por timidez ou qualquer sentimento de desigualdade, mas por puro fascínio. O homem é conhecido por todos. Ladrões, trambiqueiros, camelôs, doutores, artistas, mendigos. Todas as criaturas que residem no Centro da cidade passam por lá para tomar seus conselhos, cobrar dinheiro, ou simplesmente vê-lo. Ele os recebe com toda a naturalidade de um irmão mais velho, um filho ou um pai.

Hoje estive lá e o encontrei sentado numa cadeira à porta da barbearia e o saudei com um aperto de mão. Enquanto cortava meu cabelo, comentava, como sempre, acerca de tudo o que se passava no local. Dava conselhos aos senhores que costumeiramente passam a tarde por lá lendo jornal para que deixem a bebida, contava sobre as inúmeras vezes em que esteve à beira da morte e dava receitas de bem viver às senhoras manicures que lá trabalham.


Lá pelas tantas, entra uma jovem trajando um shortinho que deixava o indecente envergonhado. Como sempre, permaneci de ouvidos atentos para entender a história que seria infalivelmente revelada por meio do diálogo dos dois. Meu caro amigo tentava ajudar a jovem prostituta a encontrar o cartório em que havia sido registrada para que regularizasse seus documentos de modo que pudesse viajar de volta à cidade do interior em que sua mãe mora, a pedido da própria. A garota dizia que gostava da vida que levava, pois junto da mãe teria de seguir regras. O Barbeiro, em sua exortação, convenceu a moça de que a vida da rua não tem futuro algum, que ela deveria aproveitar a ajuda da mãe e tentar construir algo, voltar a estudar, fazer cursos, trabalhar. E simples assim, com exposições claras, sucintas, mas num tom paternal hábil e resoluto, ausente na maioria dos pais de sangue, o homem dobrou a prostituta. Tão fácil quanto se induz alguém a fazer o que é errado, ele a persuadiu de que deveria tomar a decisão mais difícil e mais correta.

Eu costumava amar minha cidade. Ao final de minha adolescência tive um arroubo de estranha esperança nela e no povo. Não entendo, ao passar em retrospecto  minhas sensações , de onde vinha tal esperança. A resposta mais próxima a que consegui chegar foi que nessa época eu estava tão concentrado na busca de um tipo específico de vivência que não notava o contexto em que estava inserido. Eu fazia parte da paisagem da cidade, assim como os meus amigos que visitam o nosso herói. E com eles, mimetizado no mosaico de vidas que circulavam amiúde pelas ruas, eu ficava completamente satisfeito em ser parte de um organismo vivo e pulsante, uma célula num corpo em crescimento desgovernado, mas saudável. Eu era muito feliz enquanto não sabia que de saudável, a cidade não tinha (nem tem) nada.



Esta cidade tem se tornado o cú infecto de uma política burlesca e as únicas e bizarras alternativas que existem para ela é limpá-lo definitivamente ou arrombá-lo com violência. Gosto de acreditar que, se sobrevivermos à hecatombe, será por artes de vozes como a do meu oráculo. Vozes que ecoam uma natureza íntima, quase invisível, de bondade. Vozes que emulam em obstinação com a decrepitude do descaso.



sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

BEIJA-FLOR ANIQUILADO


Há uns dias eu voltava da casa da minha sogra com minha esposa. Esperávamos o ônibus na Praça do Carlito, por volta das nove horas, quando ela me chamou atenção para uma cena triste. Um imbecil em sua moto acabara de desferir um soco na boca de uma moça com o filho nos braços. Pelo jeito como discutiam, podia-se imaginar que tinha um “relacionamento”, sei lá, talvez fossem casados. O fato é que fiquei terrivelmente incomodado com aquilo (quem não ficaria?!). Peguei meu celular e disquei o número da polícia, mas minha esposa não deixou. Claro que ela também ficou horrorizada, mas não quis que eu me metesse. Logicamente eu não iria lá, tirar satisfações com aquele covarde idiota. Afinal de contas, ele dava dois de mim e meu incisivo esquerdo não tem raiz profunda, não tô nem um pouco afim de ficar banguela neste momento. No entanto, aquilo era revoltante! Bater numa mulher já é uma covardia sem tamanho (embora saibamos que existem mulheres capazes de sair no pau com um tipo daqueles e se darem muito bem). Mas bater numa mulher com um bebê nos braços!


Apesar dos protestos de minha esposa, disse que se ele batesse novamente nela eu ligaria. Ele bateu. Deu mais um tapa e puxou o cabelo dela. Não agüentei e disquei novamente. Ela protestou mais uma vez e me agarrou pra que eu não completasse a ligação. Ela argumentou comigo dizendo que se a polícia chegasse nós teríamos de depor e fazer todos aqueles procedimentos de testemunha, o que possivelmente nos poria em risco.

O ônibus chegou nessa hora e embora eu tenha me esforçado para não ficar puto com ela, subi vermelho de raiva por não ter resistido ao argumento, certo de que iria deixar mais um covarde impune. Isso foi suficiente para que brigássemos, pois na opinião das pessoas a quem narramos o episódio, não tínhamos nada a ver com aquelas pessoas e se a moça apanhou foi por que quis, uma vez que não quisesse não teria se envolvido com um sujeito como aquele.

Eu estudo Enfermagem e meu tema de monografia (não por causa só deste caso, é lógico) será sobre violência contra a mulher. Por conta da faculdade já li vários artigos a respeito, livros, já visitei instituições e conversei com várias vítimas e sei que as coisas não são tão simples assim. Uma mulher não apanha por que é safada, sem vergonha ou por que gosta de homem que bate. Tudo isso envolve uma série de fatores, um contexto de vida em que a ela se vê não só vítima da violência, mas encurralada num ciclo de fraqueza psicológica, sentimentos e dependência financeira. Contexto esse que não foi escolhido , mas imposto a ela por sua história de vida.



As pessoas tendem a simplificar a coisa toda. Talvez para se manter em sua zona de conforto, para não se envolver com uma causa, para não se comprometer. Nisso, esses covardes, que não raro se tornam assassinos em tragédias anunciadas, seguem firmes reproduzindo a violência. Mas é mais fácil pensarmos que “não temos nada a ver com isso”, que a culpa é da vítima (como se ela estivesse realmente satisfeita com a situação, e não amedrontada por ameaças, pela dependência ou envergonhada pela humilhação).

Até agora minha esposa não sabe que não fiquei com raiva dela por ter me impedido de ligar para a polícia. Fiquei com raiva de mim mesmo por ter me deixado dobrar pelo conformismo de não me envolver. Eu sabia que poderia ter ajudado e muito. Assim como sabemos que podemos ajudar um pouco sempre. No fundo todos nós sabemos que podemos melhorar essa droga de mundo se quisermos. Mas não queremos...

Sei que talvez eu tivesse sido capaz de mostrar para aquela moça que ela e seu filho merecem e podem ter uma vida melhor. E isso faria toda a diferença. Mas é assim que a gente leva a vida. Sempre achando que é melhor não se meter nos problemas do mundo, pois isso só aumentaria os nossos próprios problemas como se não vivêssemos nesse mundo, como se não precisássemos uns dos outros. A gente tem todo dia a chance de transformar a vida das pessoas em algo melhor. Motivos não faltam para que tomemos a atitude de agir na hora certa e fazer o que tem de ser feito, mesmo que saibamos que sozinhos não salvaremos o mundo da destruição para a qual ele se dirige inexoravelmente. A velha história do beija-flor que quer apagar o incêndio...

Se algum dia você, assim como eu, teve uma dessas chances de se revoltar contra a injustiça, a covardia e a desonestidade e, como eu, não agiu sob uma justificativa qualquer e, como eu está se sentindo um grande e enorme pedaço de merda ambulante, não se preocupe: é exatamente isso que você é. E seu sentimento de culpa, assim como o meu, não vai consertar as coisas.

Não faço idéia do que tenha acontecido com a moça e seu filho. Provavelmente a mesma coisa que acontece com milhares de vítimas de violência doméstica. Voltam para casa para continuar convivendo com o agressor, temendo por sua vida e pela de seu filho, com vergonha da cena triste por que passou, rezando para que não volte a acontecer. Mas vai acontecer.



Se você conhece uma mulher que vive em situação de violência e não quer ser um enorme pedaço de merda que anda: 0800 2800804. Faça uma denúncia anônima.