segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

GIGI, MINHA GIGANTE

Esses brinquedos ficam vivos à noite...e às vezes dão medo no Papai...¬¬

Quando ela derruba os bloquinhos empilhados em seu tapete de EVA, é como o Godzila demolindo prédios. Grita quase como ele. Ainda bem que não solta raios!
Amo nela tudo o que os pais geralmente detestam nos filhos. Ela bagunça, suja, quebra. E tudo isso é o máximo. Cada sílaba e a obstinada missão de tornar-se cada vez mais independente de minhas mãos para ir embora. Cada vez mais longe, mas nunca longe demais.
Essa é a minha Gigi. O homem vai à loja e compra brinquedos caros. Ele os entrega e a menina só quer brincar com as caixas!
Eu posso conduzi-la. Posso deixar coisas boas. Posso prepara-la para um ou dois passos em falso no terreno que ela explora. Mas há uma condição. As coisas que a fascinam precisam fascinar primeiro a mim. “Não há concessões, Papai. Mostre-me que vale a pena brincar com isso”. Então eu sento e brinco. Brinco muito. Canto todas as músicas que sei, rolo no chão. Desafio os limites corporais que meus trinta anos sedentários impõem. Pulo, danço, deixo-me hipnotizar pelas luzes e sons, os “plim-plim-plim´s” e “toin-oin-oin´s”, as pelúcias.
Não demora mesmo. Quando dou por mim, estou me divertindo.
Se Chaplin estava certo quando disse que um dia sem sorriso é um dia perdido (e não duvido nadica...), ter filhos salva os dias que virão e ainda salda os dias perdidos do passado.
Mas não se engane. Esse feitiço só funciona se você cumprir a condição. Do alto de seus sábios nove meses, Gigi determina que só levará consigo o que trago comigo. E isso me obriga a ser o melhor possível. Jogar fora o que há de ruim. E aí você percebe o tanto dessas tralhas que você vinha carregando até então.
“Jogue tudo! Voe mais leve e irá mais alto!”. E a danada só precisa de baba, um abraço e uns sorrisinhos pra me lembrar do que um adulto tapado insiste em esquecer o tempo todo: ser feliz é muito, muito, muito simples.
E é por isso que preciso dizer o que tenho a dizer na língua dela: “Dididi bduadjaaaa, tjem!” (Tradução: Te amo demais, minha pequetucha!”)

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

O TOCADOR ENCANTADO



Imagino um homem sozinho em sua casinha no meio do nada. Sua vida é difícil. Ele espera da terra. A terra espera do céu. A comida é pouca e a água também. Ele tem mãos calejadas, mas fortes. Não há sinal de luxo e o que ele entende por governo é apenas uma luta por dinheiro e poder que acontece bem longe dos seus olhos e que não tem nada a ver com suas necessidades. Tudo o que ele tem se limita ao que pode alcançar quando contempla o horizonte.
Algumas pessoas vez por outra o vêm visitar. Elas são tão humildes quanto ele. A cidade não é perto, mas eles a conhecem bem. Sabem que existe um vasto mundo lá fora. Há mais trabalho do que ganho e eles sabem que têm direito aos benefícios do mundo que borbulha no limiar das vaidades.
Ele tem um violão. Daqueles dedos jorra memória e espírito. Nas noites desérticas, o som baila ao seu redor e a voz do homem diz para Deus o que os distintos citadinos mastigam e cospem. Os corações dos companheiros se constringem. Meneiam a cabeça a cada verso. Elegia e protesto. Eles suspiram, descansam o fardo do dia na comunhão da dor cujo peso é dividido entre todos.
Um pequeno silêncio e o tocador serve algo mais luminoso. Os casais dançam, cantam e batem palmas. Mais leves todos podem flutuar sobre a poeira. O lampião no alpendre acompanha os movimentos com uma luz bruxuleante. Os sertanejos de outras eras acordaram para compartilhar a alegria fugaz como o querosene que se consome. Eles se sustentam nas sombras dos dançantes.
Madrugada. Despedem-se ainda animados. Apertam a mão do tocador que com a outra segura o violão. Eles estão gratos pelo momento. Esperam voltar num outro dia, após mais uma jornada de trabalho no solo ingrato. Não sabem se ou quando colherão. Mas sabem que com ou sem colheita, sempre terão a música. Para dividir a dor e as incertezas. Para dançar com o passado e o presente. Sentem-se vivos.
O tocador, vendo-se novamente sozinho, toca agora para si. Agora é seu momento. Ele, o violão e a música.
A imagem desse homem vive em minha mente quando penso no significado da música. Em como e por que ela surgiu, primitiva e selvagem, e foi se tornando o desenho da alma.  Penso no sertanejo, no negro americano entoando os primórdios do blues, no africano com suas percussões.
O tocador é para mim o símbolo do poder que a música tem de representar tudo o que é bom em nós. Quando ele afina seu violão lá num mundo errático dos meus infinitos universos, eu aqui me ajusto à aridez das minhas frustrações, tornando-me mais forte e capaz de escutar meu eu no futuro dizendo: “Não se aflija. A chuva virá. Apenas plante”.  


segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

ANJOS...DEMÔNIOS...PERGUNTAS. (Ou Por Que Sou Católico)

"Jeff Buckley, Gregorian Punk" 

Sim, sou católico. Acho que posso dizer que sou praticante, uma vez que participo da Missa com frequência e faço minhas orações todos os dias. A renúncia do Papa, apesar de ser surpreendente para católicos e não-católicos, e deixar a Igreja numa espécie de encruzilhada, dado o momento difícil em que se encontra, na minha vida não surte efeito prático nenhum.
Mas me faz pensar. Como em tudo na vida, sempre passo em revista as minhas reflexões e atitudes e minha fé é objeto dos mais constantes. Sempre me pergunto por que motivo sou católico. Se não for abusar de sua paciência, gostaria de partilhar a longa resposta a qual sempre chego, mas devo advertir que ela inicia de forma inusitada.
Não sou católico pelo que está escrito na Bíblia. Apesar de ela ser um guia de fé para mim, minha “conversa” com ela sempre foi conturbada.
Não sou católico por causa do Papa. Nem deste, nem dos anteriores e muito menos pelos que virão. Nem por causa de padres ou qualquer outro clérigo. Particularmente não nutro especial apreço pela  maior parte deles.
Não sou católico por causa da Sociedade, ou da Globo ou por causa de outras pessoas, embora minha prática católica tenha sido recebida por influência de minha família. Motivos e liberdade não faltaram para que eu desse o fora e mesmo assim continuo aqui.
Não sou católico para contrariar os detratores do catolicismo. Muito menos para agradar os adeptos.
Tive oportunidade de ler sobre outras religiões e conhecer pessoas que professam outro tipo de fé. Algumas maravilhosas e marcantes, outras nem tanto. E quando me pergunto se alcançar o patamar de plenitude espiritual que eles conseguiram é necessário acreditar em algo diferente, a resposta é sempre não. Eu de forma alguma me sinto especial por ser católico. Não mesmo. Ás vezes é duro ver o modo como ela é vista historicamente. E todas as intrigas e desserviços reais e aparentes nos quais a instituição está envolvida. Mas no fim das contas, o meu modo de ser católico não compactua com essa superfície.
A minha opinião é a de que todo mundo está ligado a algo que é maior. No final de todas as perguntas que se encadeiam sempre vai haver um ponto de interrogação, como tirar uma caixa de dentro da outra naqueles desenhos. Mas as caixas são infinitas. Acreditar que no final delas está Deus, ou como quer que você O chame, pode significar parar de perguntar. O que é ruim.
Mas também pode significar perguntar mais e com mais vontade, como um desafio sobre um mistério que nem eu, nem você, nem o Papa ou pastor algum, nem os lamas, nem os rabinos ou qualquer outro terá a resposta. O que é bom.
Todos nós esperamos que Deus esteja lá. E me desculpem os ateus, sei que vocês são muito racionais e que suas mentes realmente não lhes pregariam uma peça tão mesquinha como a de acreditar que existe um Ser Supremo que nos governa e guarda, mas o modo como a maioria defende esse ponto de vista parece mais um grito de socorro do que a sustentação de um argumento. Mas não nego ser suspeito pra falar...
Um dia, um dos meus amigos do Facebook postou uma atualização, talvez com o intuito de fazer uma troça ateísta usando uma célebre frase que, se não me engano, é de Gandhi. Ele disse: “As religiões são como caminhos diferentes que levam para o mesmo lugar: nenhum.” Mas achei genial. Pensei muito a respeito. Está certíssimo. É em Lugar Nenhum que Deus mora. Onde ninguém é maior ou menor e nem detém a verdade absoluta, porque lá ela simplesmente não tem motivo algum para existir.
Todo mundo tem a opção de querer acessar esse Lugar onde Deus se esconde (ou se revela) da forma como bem lhe aprouver. Em muitos casos esse modo é imposto, como católico eu sei que sim. A história da minha religião está aí, a gente aprende até na escola. Eu não falo pelas outras igrejas, pois eu sei qual é a minha. Seria hipocrisia dizer que não olho para outras manifestações religiosas, as mais atuais sem julgamento, mas na minha concepção, minha resignação diante de algo que não me compete faz parte do ato de respeitar o outro.  E em linhas gerais temos liberdade para escolher.
Você pode fazer isso como eu faço ou não. Se você achar que é muito perspicaz, pode espicaçar quem o faz com piadas, embora eu ache sempre que seria bem melhor calar a boca.
Se existe Deus, como eu acredito que existe, é bem provável que Ele não dê a mínima pra isso. Eu não sei como Ele é, mas gosto de acreditar que é maior que a Igreja Católica, do que qualquer outra concepção religiosa e tão grande que nem mesmo a soma das ideias e dogmas que regem todas essas concepções podem abarcá-lo.
O que eu sei é que eu não queimo mulheres e opositores da minha fé. Eu não indexo livros que considero pecaminosos ou nocivos (alguns deles estão na minha estante!). Eu não molesto criancinhas. Eu não idolatro imagens. Não vendo relíquias falsas nem indulgências. Se eu me deparar com quem faz isso, o mínimo que farei será me posicionar contra essas atitudes. E até onde posso enxergar, existem, entre os milhões e milhões de católicos, uns dois ou três mais que também fariam o mesmo. Fico triste que essas pessoas sejam ignoradas.
A única coisa que eu faço é acreditar em Cristo. Daquele jeitinho mesmo que Ele é conhecido por muita gente.
Ser católico é apenas um dos meios de admirar a imensidão disso que hoje parece apenas um delírio, como diria o professor Dawkins. Foi assim que eu cresci.  Há coisas lindas nisso. E é para elas que eu olho. 

terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

EU SOU O VAMPIRO...



I kneel and wait in the silence/ As one by one people slip away/ Into the night.”- THE HOLY HOUR, The Cure.


Quando eu era pequeno, costumava ficar acordado até muito tarde. No meio da madrugada eu abria as persianas e observava a rua.
Aparentemente ela dormia junto com os cidadãos. Mas um olhar mais cuidadoso e um ouvido atento descobriam, sob o ressonar da noite, a vida que se esgueira pelos elementos da paisagem. Eu não sei exatamente o que eu esperava encontrar nessa paisagem. O grey explorando nossa Terra. O autor do crime perfeito. Ou simplesmente ver a noite transformar-se em dia num sutil espetáculo de alquimia e ilusão.

Não raro eu me assustava com a vida que a noite escondia. Começava minha atividade como o observador sagaz do impossível. Mas minha coragem se esvaía ao fitar o movimento soturno das árvores, ao ouvir passos que se abreviavam na esquina e nunca revelavam o autor e vozes sussurrantes de amantes que eu não sabia se eram deste mundo ou do além. E tinha sempre em algum momento a sensação que de algum outro esconderijo, olhos mais perspicazes que os meus me adivinhavam. Talvez os do terrível vampiro dos meus pesadelos.

Ao longo dos anos, fui aprimorando meu olhar, resistindo ao medo das ocorrências esdrúxulas da madrugada. Passei a sair do esconderijo. Tornei-me, por tempos, personagem do show. Fui o dono dos passos misteriosos uma vez. Em outra eu fui o amante. E numa outra ocasião a voz sussurrante foi a minha.

Hoje, enquanto minha filha e minha esposa dormem, eu observo tudo de um lugar mais alto.

Eu contemplo telhados tristes de décadas áureas e admiro a chuva que os lava como lágrimas de mãe. Ao longe os carros deixam uma alma sonora. Eu as guardo uma a uma. Mais próximo, um chuveiro lava o corpo dele. Depois ela vai. O amor se consumou. Mais aqui ao lado um gato franzino desliza pelos muros em busca de hor d’oeuvres em seu banquete inexistente. E nas frestas das janelas, olhos iluminados como pirilampos correm de um lado a outro como outrora eu fiz. Eu os adivinho.

Minha própria sombra cresceu sobre o bairro de meus antepassados. Eu me apossei do olvidado e prostrei-me diante dos detalhes. Esta noite eu perscruto o perscrutador e o absorvo. Esta noite eu sou o vampiro...